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sábado, 2 de maio de 2015

Quem sou eu?...
este ou aquele?

Reunião de família.
Celebração.
Alegria.
Mas, faltava você... dor no peito da gente!

Café da manhã, papo solto, conversas em dia, preparativos para o almoço, detalhes em cada coisa feita com carinho e disposição de servir.

Enquanto isso, um poema de Dietrich Bonhoeffer não me saía da alma... a todo instante suas perguntas sem resposta ou com respostas paradoxais, tanto na estruturação, no comportamento quanto na expressão da própria face inundaram meus pensamentos... e, me fizeram calar.

Sou este?
Calmo, alegre e firme.
Fala livre, amistoso e claro.
Calmo, sorridente e alegre.

Ou sou aquele?
Inquieto, saudoso e doente.
Tremendo, impotente e amigos distantes.
Cansado e vazio ao orar, ao pensar e ao agir.


sou este ou aquele?
ou os dois ao mesmo tempo?

Palavras fogem dos meus lábios. 
Sorriso relutante em escapar pela face.
Lágrimas dançam nos olhos com medo de escorrer.
Afinal, é tempo de alegrar-se.

Há um turbilhão de sentimentos a cada momento, em cada olhar... voltar à casa paterna onde sempre nos reunimos para celebrar a felicidade... desta vez, esse encontro me traz tantas outras lembranças. Lembranças que teimam em calar minha voz e meu sorriso.

Lembranças de um tempo que o sorriso dançava solto, leve e livre. 

Lembranças dos gritos de crianças felizes correndo pelos cômodos e corredores. 

Lembranças dos olhares dos primos e primas que nem sempre se viam, mas que pareciam ver-se sempre. 

Lembranças...


"Alguém sentado à beira do caminho, jamais entenderá o que é que eu sinto agora. Sou levado pelo movimento que tua falta faz." Fagner em Retrovisor

Paradoxalmente às lembranças, a dor que entra na vida da gente, que entra pela porta da frente arrebentando-a de tal forma que é impossível simplesmente trocar as dobradiças, fechaduras, trancas ou trocar a própria porta... simplesmente quando ela vem e destrói as suas últimas crenças que a vida poderia ser... apenas feliz.

Quando a dor entra na vida da gente... passamos a entender melhor a dor do outro, a entender que a desgraça faz mesmo parte do nosso Caminho. 

Aproveitar os momentos bons, pois os maus momentos também farão parte da nossa vida nos ajuda a caminhar sem crendices, mas com fé... fé que traz [in]certezas.


"Nada faz sentido. Sinto um grande vazio. Aquele que está em busca concluiu que nada faz o mínimo sentido." Eclesiastes 12:8

Além disso, também passo a entender, que há dores que duram a vida toda, dores que seguirão conosco até o último suspiro.

Como a dor e o vazio que acompanharam Dietrich até o fim. Dor que doeu até o fim. Olho para sua vida e seus escritos e tento imaginar essas dores, frustrações, dúvidas, incertezas e angústias... 

E, que do fundo de sua alma doída expressaram-se num poema com uma profundidade tão grande como a dor que ele sentiu, sentia e conviveu com ela até estar em pé à frente de seu algoz executor.

Ao longo do almoço de celebração, diante de tantos sentimentos e emoções incoerentes, paradoxais e tantas vezes ambíguos... posso exclamar como ele: 

Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!


Dietrich Bonhoeffer
teólogo protestante alemão
1906 - 1945


Wer Bin Ich? 


Quem sou eu? Freqüentemente me dizem
Que saí da confinação da minha cela
De modo calmo, alegre, firme,
Como um cavalheiro da sua mansão.


Quem sou eu? Freqüentemente me dizem
Que falava com meus guardas
De modo livre, amistoso e claro
Como se fossem meus para comandar.

Quem sou eu? Dizem-me também
Que suportei os dias de infortúnio
De modo calmo, sorridente e alegre
Como quem está acostumado a vencer.


Sou, então, realmente tudo aquilo 
que os outros me dizem?
Ou sou apenas aquilo que sei 
acerca de mim mesmo?


Inquieto e saudoso e doente, como ave na gaiola,
Lutando pelo fôlego, como se houvesse mãos apertando minha garganta,
Ansiando por cores, por flores, pelas vozes das aves,
Sedento por palavras de bondade, de boa vizinhança
Conturbado na expectativa de grandes eventos,
Tremendo, impotente, 
por amigos a uma distância infinita,
Cansado e vazio ao orar, ao pensar, ao agir,
Desmaiando, 
e pronto para dizer adeus a tudo isto?

Quem sou eu? Este, ou o outro?
Sou uma pessoa hoje, e outra amanhã?

Sou as duas ao mesmo tempo? 
Um hipócrita diante dos outros,
E diante de mim, um fraco, 
desprezivelmente angustiado?
Ou há alguma coisa ainda em mim 
como exército derrotado,
Fugindo em debanda da vitória já alcançada?

Quem sou eu? 
Estas minhas perguntas zombam de mim na solidão.
Seja quem for eu, 
Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!


Dietrich Bonhoeffer foi um grande teólogo protestante alemão, considerado um dos mais relevantes do século XX. Perseguido e aprisionado pelo nazismo, foi enviado a um campo de concentração, onde foi executado, já em fins da Segunda Guerra.

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