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sábado, 29 de outubro de 2016

Há conselhos...

... que não deveriam ser seguidos



... um memorial, um templo, uma janela no Kairós

Era uma tarde de Segunda-Feira no último mês de um Outono há quase 4 anos atrás, o sol brilhava e seguíamos no nosso Defender pra São Paulo.

Vez ou outra conversávamos um pouco. Comeu um pedaço de Chocolate e quis repartir o restante comigo, mas recusei e agradeci. Decidiu então levar para repartir com suas amigas de República.

Vez ou outra uma ligação para apoiar alguém com algum problema na entrega de serviços em algum de nossos clientes.


Vez ou outra nos olhávamos...

Seguíamos devagar, pois já tive pressa e hoje ando devagar... é verdade que para andar devagar coloquei a mim mesmo o limite de velocidade do Defender, que anda devagar.

Chegamos à USP, me beijou, desejou boa semana, desceu do jipe e fechou a porta. 

A chamei de volta, ela deu dois passos para trás e através da janela, sorrimos um ao outro, nos olhamos nos olhos e eu disse: 
"Filha, não se preocupe com maus pensamentos, mantenha-se focada no que precisa fazer e amanhã à noite nos veremos."

Para mim, teria sido mais um conselho de um pai que sabe que sua filha está caminhando com dificuldade por um período difícil... onde os sinais depressivos chegaram há pouco mais de uma semana.

Diante desses prenúncios sua mãe e eu já havíamos organizados as agendas necessárias para apoia-la:

  • pela manhã esteve no Ortomolecular
  • na 3a.feira iria à Psicóloga em São Paulo
  • e, na 4a.feira ao Psiquiatra em Campinas

Deixei-a na calçada gramada da USP próximo ao Instituto de Biologia... deixando para mim um último sorriso singelo que duraria por toda a minha vida.


Meu coração ainda pesado sabia, sabia...

"... alguma coisa estava errada, meu coração já sabia e eu não via claramente
(*) frase adaptada da Canção On The Level de Leonard Cohen


E, imaginei

... imaginei que se ela estivesse focada sabendo que a estávamos apoiando e que juntos estávamos suportando as suas dificuldades, logo ela estaria em casa

... imaginei que se ela estivesse focada no que precisava fazer, deixaria as distrações, maus pensamentos e dores da alma de lado

... imaginei que se ela estivesse focada e se lembrasse de suas certezas logo estaria em casa, acolhida e cuidada

... imaginei que se ela estivesse focada, sentido-se amada e acolhida, isso seria suficiente para suportar pouco mais de 24 horas, pois logo estaria em casa 

... imaginei...


Mas, não imaginei...

... não imaginei que estávamos falando de coisas diferentes, nossos pensamentos voavam por caminhos diferentes

... não imaginei que ela pensava em seguir por atalhos por não suportar mais a possibilidade de sua mente seguir por caminhos que ela não queria

... não imaginei que seu olhar doce e singelo nos meus olhos teria sido a sua última contemplação de suas origens

... não imaginei que ela pensava nas suas origens mais remotas, de onde ela veio e estava ansiosa para se jogar nos braços do Eterno

... não imaginei...

 

E,
o Eterno a acolheu para sempre!

Menos de 24 horas do último Conselho de um pai... ela decidiu seguir esse Conselho, ela se focou no que estava pensando, se focou no que tinha pra fazer, se focou na busca do seu definitivo Retorno à Casa do Pai, pois ela já estava preparada para... se jogar nos braços do Eterno!

"Minha necessidade é clara, estou morrendo para tê-lo próximo a mim... Senhor, eu não me pertenço mais e se estiver esperando por mim eu não tenho medo de morrer!"
"Eu estou preparada para ir, para separar meu corpo da minha alma, o Senhor sabe!... Senhor, eu não me pertenço mais e se estiver esperando por mim eu não tenho medo de morrer!" 

(*) tradução livre de um trecho da Canção A Prayer de Madeleine Peyroux


... meus pensamentos e minhas lembranças enquanto caminhava sozinho ouvindo Leonard Cohen hoje pela manhã próximo de casa


domingo, 27 de março de 2016

Ainda quantas Páscoas mais...

... mais uma!
... quantas mais?


entre a Cruz e a Páscoa...
um olhar desiludido
um olhar esperançado 
Há pouco mais de 2 mil anos (2 mil Páscoas), entre a Morte e a Ressurreição do Cristo foram 3 dias na mais absoluta desesperança. 

A Dor e a Ausência daquele que fez toda a diferença na vida daqueles que o seguiam. Quase ninguém mais se lembrava das Suas Palavras que Ele reaveria a vida mais uma vez, não importasse a Morte que o havia levado deles. 

Alguns esperançavam-se, mas na distância da quase desesperança. Sim, Ele não estaria mais ali com eles. Lembravam-se das Suas últimas Palavras, remoinham suas lembranças... esvaiam-se desiludidos.

Hoje, vivencio mais uma Páscoa, com sabor amargo do fel da dor e da desesperança ao longo dos 3 dias (ou dos mais de 1.000 dias de quando ela se foi), da ausência e da certeza que a Morte arranca de nós parte de nós mesmos, apesar do lampejo de esperança na [in]certeza de quantas mais Páscoas viverei.

Assisti na 6a.feira o filme Ressurreição no olhar desconfiado do Tribuno Clavius... o olhar de Jesus morto dependurado na maldita Cruz atingiu fundo a sua alma incrédula. 

E, vivenciar a experiência de um incrédulo que já não conseguia acreditar nas estórias e nas mentiras que pareciam justificar que o Corpo de Jesus havia sido roubado e escondido. Que transitava entre a incredulidade e a credulidade da [in]certeza do que sempre acreditou ser a certeza.

Na antiguidade quando o povo hebreu seguiu Moisés na esperança de uma Páscoa ainda desconhecida... e, depois nos tempos de Jesus quando seus discípulos e amigos chegados seguiram a esperança de uma Páscoa tão falada mas também ainda desconhecida.

Adentrar-se num Caminho de mão única, que através da Cruz (Morte) espera-se a Páscoa (Ressurreição)... é adentrar-se na [in]certeza da certeza de uma espera[nça] de alguns dias, de alguns meses, de alguns anos... ou de tantas décadas que já quase não se espera mais.

Amar[gar] nesse Caminho que tem o comprimento da Cruz e uma Luz tão forte ao final que nos cega e nem sempre traz a certeza que lá está a Páscoa tão esperada e ainda não vivida ou vivenciada em nossas finitas entranhas.

Caminhar com Esperança é ser desiludido, é não ter mais ilusões... "do contrário, o que você tem não é esperança, é ilusão." - citando texto de Paulo Brabo quando comenta sobre a carta do pessimista Cláudio Oliver.

Esses amigos que a gente encontra pelo Caminho percebem, vivenciam e escrevem aquilo que vai na Alma da gente (como se a vasculhassem e lessem com a clareza de uma lupa)... e, que apesar de um lampejo de Esperança, sabe-se que a desilusão é total, completa... e, vazia - do tamanho da própria Cruz do Cristo.


Há uma Cruz vazia
Há um Túmulo vazio
Há um Mundo vazio
Há também um Coração vazio

Li e reli a carta escrita oriunda do coração desiludido e pessimista, na tentativa de agarrar-se à Espera[nça]... "Espero (e como poderia deixar de esperar) a ressurreição e a vida. Não por otimismo, mas exatamente por me alinhar aos pessimistas."

E, enquanto espero a Páscoa final e definitiva na Eternidade...
... junto ao Eterno
... junto aos que se foram
... junto aos que irão
... junto à Eterna Gabriela

Brotando da minha alma transcrevo como se fossem minhas, as palavras de Cláudio Oliver ao seu amigo Paulo Brabo: 


"...sempre melhor do que mereço, sempre perdido, dependente de esperar, pois esperando, declaro meu pessimismo, e me agarro em algo, que pelo menos, tem mais chance de dar certo, e ressurgir, do que a fé na possibilidade de que aumentar a dose do remédio que nos mata irá nos curar."


Entre a Morte (separação) 
e a Ressurreição (reencontro) permeia 

... um sentimento de desalento
... um sentimento de abatimento
... um caminhar a um passo do esmorecimento. 

A letargia imposta pela separação aguardando o reencontro, num sentimento sem sentido, parecendo que não há mais o que fazer.

"É uma saudade
Que invade
Que arde por dentro
Não há pensamento
Corrente de vento
Que vire esse leme

Pra outro lugar"
Anna Ratto em Desalento


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